Literatura

Era uma Senhora mais brilhante que o sol - Pe João Marchi, 1966

 capa livro 4Todos os domingos à tarde, durante seis meses seguidos, lá nos aparecia o Sr. Marto a falar-nos da sua Jacintica, do seu Francisco, do Sr. Prior, que não acreditava e não deixava a gente acreditar, do Sr. Administrador da Vila «e tal etcétera...».
(…)
Da Srª. Olímpia, da Srª. Maria dos Anjos, da Srª. Maria da Capelinha, etc., cumpre-nos dizer outro tanto.

 

A proposta de leitura para esta quinzena é o livro Era uma senhora mais brilhante que o sol, do Padre João Marchi. Esta obra, editada pela primeira vez em 1966, consiste numa tentativa – diríamos de grande sucesso – de documentar o melhor possível os eventos que marcaram o fenómeno das aparições de Nossa Senhora em Fátima. Para tal, o Padre João Marchi entrevistou os pais do Francisco e da Jacinta Marto bem como outros personagens importantes das primeiras etapas da propagação da mensagem de Fátima como, por exemplo, a primeira sacristã da Capelinha das Aparições, Maria dos Santos Carreira (mais conhecida por Maria da Capelinha), registando de seguida este capítulo da História como narrada por eles. 

Pelo registo dos vários testemunhos na primeira pessoa, esta obra anda a par com As memórias da Irmã Lúcia enquanto indispensável para mergulhar nos tempos e nos locais da vida dos três pastorinhos no período pré-, durante- e pós-aparições. Comprovamos esta ideia com um exemplo concreto: a Irmã Lúcia relata que, depois da primeira aparição de Nossa Senhora, a 13 de Maio de 1917; os três videntes combinaram guardar segredo quanto ao sucedido, tendo-se a Jacinta descuidado neste compromisso.

«Quando, nessa mesma tarde, absorvidos pela surpresa, permanecíamos pensativos, a Jacinta, de vez em quando exclamava com entusiasmo:
– Ai, que Senhora tão bonita!
– Estou mesmo a ver... – dizia-lhe eu. – ...ainda vais dizer a alguém.
– Não digo, não! – respondia. – Está descansada.
No dia seguinte, quando seu irmão correu a dar-me a notícia de que ela o tinha dito, à noite, em casa, a Jacinta escutou a acusação sem dizer nada.» (Memórias da Irmã Lúcia, pag. 45)

Não nos relata a Irmã Lúcia a conversa na qual a pequena tinha falado da aparição. Na obra Era uma Senhora mais brilhante que o sol, esta conversa chega-nos largamente contada na primeira pessoa pela própria mãe da Jacinta, Olímpia Lúcia de Jesus dos Santos:

«A pequena correu ao meu encontro – narra a ti' Olímpia – e agarrou-se-me às pernas, como nunca tinha feito de tal jeito.
- Ó mãe – gritou-me ela, toda alvoroçada. – Vi hoje na Cova da Iria Nossa Senhora.
- Credo, filha! És uma boa santa para veres Nossa Senhora – respondi-lhe. A pequena ficou triste, acobardada e acompanhando-me a casa ia repetindo: – Mas eu vi-a!
E começou a contar-me o que se passara.
(...)
Mas eu – continua a Srª Olímpia – não dava valor às palavras da cachopica, nem lhe dava atenção.
- És bem doidinha! – dizia-lhe. – Nem que Nossa Senhora te fosse aparecer a ti...!
(...)
pais martoRepartida a comida pelo gado e, visto que tudo estava bem, retiramos para casa. O meu Manuel sentou-se à lareira e pegou de comer a ceia. Estava cá, também, o António da Silva, cunhado dele, e mais os meus filhos todos – penso que eram oito. Perguntei então, a meia regra, à Jacinta:
- Ó Jacinta, conta lá como foi isso de Nossa Senhora na Cova da Iria.
E ela prantou-se a contar as coisas com a maior simplicidade deste mundo: - Era uma Senhora, tão linda, tão bonita...! Tinha um vestido branco, e um cordão de oiro ao pescoço até ao peito… A cabeça estava coberta por um manto branco, também, muito branco, não sei, mas mais branco que o leite… e tapava-a até aos pés… Era todo bordado de oiro… Ai que bonito...! Tinha as mãos juntas, assim... – e a pequena levantava-se do banquito, juntava as mãos à altura do peito a imitar a visão.
- Entre os dedos tinha as contas. Ai que lindo tercinho que Ela tinha… todo de oiro, brilhante, como as estrelas da noite, e um crucifixo que luzia… que luzia… Ai que linda Senhora...! Falou muito com a Lúcia, mas nunca falou comigo, nem com o Francisco… Eu ouvia tudo o que elas diziam… O mãe, é preciso rezar o terço todos os dias… A Senhora disse isso à Lúcia. E disse também que nos levava todos três para o Céu, a Lúcia, o Francisco e mais eu… E mais outras coisas disse que eu não sei mas que a Lúcia sabe… Quando Ela entrou pelo Céu dentro, parece que as portas se fecharam com tanta pressa que até os pés iam ficando de fora entalados… Era tão lindo o Céu… Havia lá tantas rosas albardeiras!
E o Francisco confirmava as declarações da Jacinta. As irmãs ouviam com interesse; os irmãos mais velhos troçavam.
E eu repetia – continua a ti' Olímpia – És uma boa santinha para que Nossa Senhora te apareça!
O Sr. Marto, o pensador, ia ruminando e argamassando os seus conhecimentos teológicos: «Desde o princípio do mundo, Nossa Senhora tem aparecido muitas vezes, de diversas maneiras… E é o que vale… Se o mundo está mau, se não se tivessem dado muitos casos assim, pior estava… O poder de Deus é grande! Não sabemos o que é, mas alguma coisa será… Seja o que Deus quiser.
- E, – conclui hoje – logo de caminho, quase fiquei a fazer juízo que era verdade o que as crianças diziam… Sim, logo acreditei. Pensava que os pequenos não tinham instrução nenhuma, o mínimo de coisa nenhuma. Se não tivesse sido aquela auxiliadora Providência, elas não teriam afirmado isso… Os cachopos mentir? Ai, Jesus, o Francisco e mais a Jacinta eram tão contrários a isso!

(Era uma Senhora mais brilhante que o sol, pag. 47-49)

Complementando-se mutuamente, As memórias da Irmã Lúcia e Era uma Senhora mais brilhante que o sol, são as duas obras por excelência sobre o fenómeno das aparições de Nossa Senhora de Fátima destinadas ao público geral. À elevada importância histórica e social, soma-se ainda um elevado teor de importância espiritual dado que, ao reviver as gentes e os tempos dos três pastorinhos, aprendemos valiosas lições sobre a passagem de Deus pela História da humanidade e sobre a vida eterna.

Nossa Senhora do Rosário de Fátima, rogai por nós.

 

 

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